sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A morte da inocência




Acalenta-nos o coração recordar os dias em que, ainda crianças,brincávamos com nossos amiguinhos nas ruas até o entardecer, corríamos e crescíamos através das brincadeiras que nos faziam amadurecer não só a razão como também a emoção.
Aprendíamos a conhecer o mundo e construíamos nosso conhecimento através da vivência dos jogos da infância. Adquirimos uma cultura vinda de nossos antepassados através das cantigas de roda, das brincadeiras que nos faziam crescer em uma comunidade que nos transmitia valores e nos dava limites para enfrentar a ferocidade do mundo.
Nossos tempos atuais estão marcados por uma crescente perda limites como se não houvesse etapas de desenvolvimento necessárias em nossas crianças. Isto faz lembrar que houve um tempo que as crianças eram consideradas adultos em miniatura e não se valorizava a infância como um espaço de crescimento e construção da personalidade. Famílias davam em casamento seus filhos para firmarem pactos econômicos e políticos assim que eles nasciam e os casavam em tenra idade.
Hoje tenho a sensação que voltamos a este tempo em que o ser adulto ou como um deles é quase normal. Surpreende-me ver menininhas de pouco mais de quatro anos vestidas como mulheres adultas e forçando poses sensuais, que além de transmutá-las em ridícula imagem as faz deixar de lado o ser criança para mostrar-se como uma fêmea em uma competência de acasalamento.
Já escutei pais felizes em chamarem suas menininhas de “periguetes” palavra que se traduz como perigosa e atrevida. Mas atentemos, porém, que é uma aparência externa, porque intimamente elas, as meninas, não têm noção do papel que estão representando, apenas sentem se há aprovação ou não dos que a veem e aplaudem, é popular, agrada, é aceita. E estes pais repetem como papagaios palavras que desconhecem o significado e o risco a que expõem suas crianças.
Num estudo da Universidade Knox, em Galesburg (Illinois, EUA) se analisou esta questão da sexualidade infantil por este ângulo da popularidade. “Será que as garotinhas desejam se tornar sexualmente atraentes mais cedo por razões ‘diretas’, ou existe uma pressão social em que isso é incluído para se tornar aceita sem que elas sequer saibam o real significado?”
 Mostraram a 60 meninas duas bonecas, uma vestida como uma mulher adulta, “sexy” e a outra com roupas cômodas como calça jeans e camiseta. Entre diferentes análises  lhes fazem as perguntas:
“Qual delas se parece com você? Com qual delas você quer se parecer no futuro? Qual é a mais popular? Com qual delas você gostaria de brincar?”
A pesquisa diz  que a versão sexy ficou com 68% das respostas de meninas que desejam ser iguais referem-se à aprovação  social e 72% dizem que a outra imagem é mais popular entre suas coleguinhas de escola.
 Salienta que as 32% que escolheram a boneca de calça comprida praticam esportes e têm mães atentas e estas limitam  os programas de TV que assistem e as instruem sobre o porquê destes limites.
Pais atentos, governantes responsáveis quem sabe afastariam nossas meninas das gestações precoces, do abuso de adultos, de assassinatos cruéis a que são submetidas, da perversão, da exploração sexual infantil, da perda da inocência ainda em uma etapa da vida que deveriam brincar e construírem-se pessoas saudáveis.



periguete (origem duvidosa, talvez de perigo)
s. f.  [Brasil, Informal]  Mulher considerada desavergonhada ou demasiado liberal. = PIRIGUETE

imagem: http://edgblogs.s3.amazonaws.com/mulher7por7/files/2012/07/bonecas.jpg

domingo, 14 de outubro de 2012

Minha primeira professora





Estar na escola para uma menina de família pobre era uma vitória, estar na Escola Normal da cidade era um luxo que a poucos era permitido. Minha Juvenal Miller.
Meu pai era um alfaiate que eu via preso à máquina de costura dias a fio e madrugadas adentro. 
Minha mãe uma dona de casa preocupada em auxiliá-lo nas tarefas de mão nas costuras, fora os bichinhos de pasta que ela fazia para acrescentar alguns cruzeiros ao orçamento doméstico. Para mim desde pequena sobravam tarefas domésticas e a escola.
Lembro que à noite minha mãe gostava de contar histórias, contos de fadas, e também suas histórias do tempo de infância. Antes que eu aprendesse a ler as revistas que chegavam até nossa casa, me fascinavam, queria poder ler, saber das coisas que estavam escritas.
Até que chegou o dia de ir para a escola. Eu iria aprender a ler! 
Para mim isto era um sonho. Sonho de letras e mensagens com as quais eu construiria meus castelos, neles eu já vivia, pois sempre tive uma bela imaginação que me dava asas.
O primeiro uniforme daqueles típicos da época, saia pregueada azul marinho, com alças, camisa branca, sapatos pretos lustrados, brilhavam! 
Pasta só para mim, lápis, cadernos, meus sonhos de papel!
Minha primeira professora.
Como ela era alta (talvez eu fosse pequenina), falava com clareza. 
Firme organizou a turma, e aí uma história,  do jeito que só ela sabia contar. 
Maria Cristina, o nome dela. Jamais a esquecerei. Aprendi a ler sem sentir, como mágica, em pouco tempo as letras já desvendavam para mim todo o universo dos livros e das revistas que eu tanto adorava.
Começava assim, através do trabalho dela, minha peregrinação pelo mundo das letras. Foram nascendo textos de todas as formas até que eu sentisse que a poesia seria aquele com o qual eu mais me identificaria e com ela eu poderia voar através das asas da emoção.
Cursei o Normal, como toda adolescente do meu tempo. Lá estava ela. Maria Cristina Guimarães Lima como minha professora de Literatura Infantil e o seu mundo fantástico das histórias infantis que ela tão bem contava. Vi-me novamente embarcando no mundo encantado das histórias que ela, com tanta propriedade, iniciava a narrar: Era uma vez...
Ela era e sempre será uma grande contadora de histórias, sabia dar vida aos personagens e transportar a gente para aquele lugar, onde os sonhos tomavam forma e a vida tornava-se menos dura e menos feia que a realidade. Ela era uma grande professora, a que eu queria ser. Ela era uma contadora de histórias, o que eu queria me tornar, uma escritora, alguém que pudesse levar sonhos às outras pessoas. Nisto ela tem seu quinhão, em tudo que eu escrevo lá está ela, a minha primeira professora, que me ensinou a ler e a escrever.

Hoje posso dizer:

“Meus textos
São pássaros de palavras,
que voam em folhas nuas
e riscam as madrugada

Meus versos
são flechas, espadas
que rasgam o tempo nas ruas.

Minhas palavras
são meus textos de sonhos
que rasgam as ruas. Nuas,
marcando minhas pegadas.”

E ela, Maria Cristina Guimarães Lima, está no início de tudo.
Obrigada professora.

IsiCaruso